Novas drogas mexem com mercado de hepatite C


Por Vanessa Dezem | Valor Econômico

“Esta área está recebendo muitos investimentos porque é considerada uma necessidade ainda não atendida”, diz Miyake, diretor da Bristol-Myers Squibb

A farmacêutica americana Gilead chegou quieta no Brasil e instalou seu primeiro escritório na nobre zona sul da cidade de São Paulo. Enquanto os recém-chegados funcionários ainda estão abrindo as caixas da mudança, o mercado está de olho aberto. Não somente porque a empresa é um dos grandes nomes da biotecnologia atual – com faturamento de US$ 11 bilhões e um dos maiores conjuntos de produtos em desenvolvimento do setor -, mas porque sua chegada ao país é parte de um movimento maior.

Globalmente, a indústria está experimentando o início de um processo de alteração da dinâmica do segmento de hepatite C. Os novos medicamentos prometem revolucionar os tratamentos.

 

A Gilead está nas manchetes da mídia internacional desde o fim do ano passado, quando foi aprovado pelo Food and Drug Administration (o FDA, o órgão regulador americano) seu novo tratamento para hepatite C, chamado Sovaldi. O medicamento foi considerado pela revista “Forbes” o mais importante lançamento do setor em 2013 e analistas preveem vendas que superarão os US$ 5 bilhões já no primeiro ano. Estas perspectivas já fizeram com que as ações da empresa na Nasdaq avançassem cerca de 20% desde dezembro até o último dia de fevereiro.

A grande novidade dessa nova classe de medicamentos é seu alto nível de eficácia. Estudos mostram que 96% dos pacientes que completaram o tratamento atingiram uma resposta sustentável, o que significa no jargão médico que o paciente ficou livre do vírus, ficando curado da doença. Além disso, com a nova tecnologia, o tratamento completo dura até 12 semanas, e não as mais de 40 exigidas pelas drogas atuais. Sendo em pílulas, e não em injeção, o medicamento promete ainda aumentar o bem-estar dos pacientes e ter menos efeitos colaterais.

Hoje, calcula-se que cerca de 170 milhões de pessoas estão infectadas com hepatite C no munto. O mercado é grande e tem atraído outras gigantes farmacêuticas, que há anos estão investindo no segmento. Muitas também alcançaram resultados satisfatórios, que devem competir com o Sovaldi.

A AbbVie pretende submeter uma nova droga à aprovação do FDA neste semestre. Ainda sem nome, o medicamento deve ser lançado em 2015 e será o primeiro do segmento no portfólio da companhia. No mesmo caminho, a Bristol-Myers Squibb vai submeter até o fim do ano o daclastavir, também será a primeira inovação da empresa na área de hepatite C.

Sendo aprovado pelos órgãos reguladores internacionais, logo os medicamentos são submetidos também à aprovação na Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Isso significa que não demorará muito para o mercado brasileiro começar a receber estes novos tratamentos.

Estima-se que hoje estão infectadas pelo vírus da hepatite C entre 2 e 3 milhões de pessoas no país. A doença é tratada pelo Sistema Único de Sáude (SUS), mas apenas cerca de 10 mil pacientes por ano recebem o tratamento. Esta diferença, em grande parte, é explicada pela falta de consciência sobre a doença. E significa também uma grande oportunidade.

“Nossa expectativa é de que este número de pacientes tratados cresça exponencialmente. O governo está investindo mais e tem dado sinais de que está preocupado (com a doença)”, disse José Antonio Vieira, presidente da AbbVie no Brasil. “A área está recebendo muitos investimentos, porque é considerada uma necessidade ainda não atendida. Até agora não tinha nada que resolvesse em definitivo o problema doença”, afirmou Roger Miyake, diretor de estratégia da Bristol-Myers Squibb.

Um estudo publicado no ScienceDirect – site que reúne publicações científicas – mostra que os gastos do governo brasileiro com o tratamento de hepatite C chegam a quase US$ 100 milhões por ano. Hoje, entre os mais avançados está um tratamento triplo – que combina a droga interferon peguilato, a ribavirina e um inibidor de protease. O problema é que ele ainda é árduo, tem efeitos colaterais fortes e inclui a necessidade de injeções regulares no hospital. Quando há o melhor dos resultados, 65% dos pacientes ficam livres do vírus.

Hoje, o governo tem contratos principalmente com a Roche e a MSD. A Roche, fornece para o SUS o Pegasys – com vendas globais de mais de US$ 1,5 bilhão. A MSD, por sua vez, fornece o Pegintron – que vendeu US$ 500 milhões em 2013. No fim do ano passado, o telaprevir da Janssen (braço farmacêutico da J&J) passou a ser disponibilizado pelo SUS. Segundo a empresa, com o esquema triplo, as taxas de cura chegam a 80% e o tempo de tratamento é de 24 semanas.

Com as novas terapias que estão surgindo os tratamentos tradicionais podem ser ameaçados. “A tendência é que o Brasil tenha novos players (participantes do mercado)”, afirmou Eliane Kihara, consultora da PWC.

“Obviamente isso nos preocupa. Mas, estamos preparados para enfrentar a concorrência”, afirmou Guilherme Leser, diretor de relações governamentais da MSD. A empresa também está desenvolvendo uma droga na mesma linha das inovações de suas concorrentes globais, que deve chegar ao mercado em quatro anos.

O único fator que pode atrapalhar os planos das estreantes no mercado de hepatite C parece ser o preço. O custo do tratamento completo da Gilead, por exemplo, é de US$ 84 mil. Segundo Eliane, existe uma preocupação de que os preços limitem a introdução dos novos tratamentos nos sistemas públicos de saúde. “As empresas terão que mostrar que vale a pena”, afirmou a especialista.

O fato é que a Gilead está aproveitando este momento de inovações no exterior para se lançar no Brasil, um novo território, e intensifica a corrida na área de virologia. A empresa não quis dar entrevista.

 

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